Branding e Conforto Cognitivo
Como o trabalho de branding interfere no fenômeno psicológico conhecido como “conforto cognitivo”, isto é, a capacidade de uma pessoa sentir-se confortável ao interagir com o universo proprietário de uma marca.
— Por Luiz Ramalho
Branding e a construção de valor das marcas
O tema está longe de ser novidade, mas nunca é demais relembrar algumas noções básicas, principalmente para os menos familiarizados.
O trabalho de branding vai muito além da criação de uma identidade visual, de um logo e outros pilares que definem a personalidade da marca, como visão, missão, atributos e valores. Elementos essenciais, mas que não resumem o trabalho. Isto porque, branding não é um projeto com começo, meio e fim, mas um trabalho de rotina que nunca acaba. Exatamente por isso a palavra está no presente contínuo: brand(ing). Ele está sendo feito, sempre.
Podemos dizer que todo tipo de expressão que a marca produz, em qualquer ponto de contato com seu público, faz parte do seu trabalho de branding. Um anúncio, um ambiente físico, uma fachada, seu site, redes sociais, sua linguagem, suas cores, produtos, serviços, canais de relacionamento, sua cultura corporativa, seu posicionamento frente à questões da sociedade etc. Tudo está (ou deveria estar) impregnado com elementos de identidade da marca.
Empresas que fazem um bom trabalho de marca se preocupam com todos os detalhes e fazem questão de expressar sua identidade em todas as oportunidades. É assim que se constrói valor a longo prazo. A soma de todas essas ações gera no imaginário do público uma percepção de consistência e coerência, que resulta em uma marca sólida, confiável e longeva.
Por isso, o ideal é começar com a estratégia de marca antes da estratégia de comunicação ou de negócio. A marca deve ser o maior ativo da empresa, e não seus produtos, serviços e patrimônios. Ela dará sustentação para enfrentar grandes mudanças, algo primordial em tempos de obsolescência acelerada. Seu principal produto pode ser irrelevante daqui poucos anos. Se isso acontecer, uma marca com musculatura pode lançar novos produtos, entrar em novos mercados e levar consigo toda a credibilidade que construiu com o trabalho de branding.
Em última instância, o objetivo é gerar confiança. A base de todo negócio está na confiança. Como saber que a empresa vai cumprir o que está prometendo? Muitas vezes não há como saber. É preciso confiar. Isso vale tanto para compra de um imóvel quanto para a contratação de um serviço simples, claro que em diferentes proporções, mas sempre respondemos uma pergunta inconscientemente: essa marca é confiável? Ela parece entregar o que promete?
Quando tais perguntas são respondidas de forma automática, sem sequer um milésimo de segundo de dúvida ou consideração, podemos dizer que o consumidor alcançou um estado de conforto cognitivo em relação à marca.
Conforto cognitivo: associações e familiaridade
O termo “conforto cognitivo” ganhou destaque com o livro “Rápido e devagar: Duas formas de pensar” do psicólogo e economista israelense Daniel Kahneman. Antes de falar especificamente do conceito, vale um resumo.
Em linhas gerais, para Kahneman a mente humana funciona com 2 grandes sistemas de pensamento:
- Sistema 1 (rápido): é o pensamento automático, que não ativa o raciocínio lógico nem desperta a atenção. Basicamente, esse sistema cuida da “normalidade” dos acontecimentos rotineiros, fazendo verificações sobre a importância e o grau de dificuldade para realizar tarefas. É uma forma que o cérebro usa para e tomar decisões gastando o mínimo de energia possível e ele fará isso sempre que puder. Assim, se não nos deparamos com coisas novas, o cérebro vai agir de forma automática, com o sistema rápido, tomando decisões com base em associações que criamos com as nossas memórias.
- Sistema 2 (devagar): quando o sistema rápido não dá conta de solucionar o problema com base em uma associação, ele aciona o sistema devagar, responsável por analisar a situação com cautela, raciocinar logicamente e elaborar soluções novas. É o sistema que nos faz pensar com atenção, avaliar as variáveis, analisar cenários e considerar hipóteses antes de tomar decisões, um processo que exige grande quantidade de tempo e energia, coisas que preferimos economizar sempre que possível.
O importante aqui é entender o seguinte: o sistema rápido atua num estado de conforto cognitivo, enquanto no sistema devagar prevalece a tensão cognitiva. No primeiro caso, há maior probabilidade de ser superficial e desatento para julgar. No segundo, a tendência é ser desconfiado e cuidadoso.
Apesar da dicotomia, os sistemas são aliados e trabalham em conjunto. O sistema rápido reconhece as questões que acionam o sistema devagar. Por sua vez, este trabalha para assimilar todas as informações, do modo que a próxima ocasião parecida seja resolvida automaticamente pelo sistema rápido. Contudo, essa parceria está longe de ser equilibrada. Estima-se que o sistema 1 é responsável por 95% do processamento de informações, restando apenas 5% para o sistema 2.
Pense na primeira vez que precisou avaliar um modelo de smartphone para comprar. Você provavelmente pesquisou bastante, leu a respeito, buscou a opinião de outras pessoas, comparou preços, avaliou cada funcionalidade considerando suas necessidades, checou o histórico da fabricante e do aparelho em questão: costuma dar problema? Se acontecer, a loja vai resolver? A empresa vai ressarcir? Enfim, você usou o sistema devagar para tomar uma decisão complexa e inédita na sua vida, afinal, estava investindo um valor alto em um aparelho que precisa atender uma série de expectativas.
Provavelmente, quando resolveu trocar seu celular depois de algum tempo, boa parte desse trabalho já não foi mais necessária: o conjunto das experiências vividas da primeira vez serão associadas pela memória e você assume uma série de variáveis como “certas” (mesmo que elas não sejam). Podemos tomar os iPhones como exemplo. As pessoas compram as novas versões porque estão convencidas de que ela será boa. Elas não ativam o raciocínio lógico para avaliar o aparelho novamente, pois assumem automaticamente que as avaliações antigas ainda são válidas. O repertório de experiências com outros iPhones cria um ambiente confortável e seguro para confiar na qualidade do modelo que será lançado.
Obviamente, esse processo não acontece somente no nível de produto, mas no nível da marca como um todo. Consumidores quase sempre vão optar por coisas familiares e aí está o ponto chave entre branding e conforto cognitivo.
Tornando sua marca familiar
Coloque dois produtos com as mesmas qualidades, o mesmo preço, mas de marcas distintas diante de um consumidor e o faça escolher. Na maior parte das vezes, ele vai optar pela marca que traga qualquer laço de familiaridade e conforto. Qualquer lembrança associativa que ele possa ter, mesmo que inconscientemente, vai favorecer a marca que a construiu.
O simples fato de ele ter visto rapidamente o logo em algum lugar, mesmo que não tenha prestado atenção, vai tornar essa marca mais familiar que uma nunca antes vista. O cérebro prioriza o tempo todo a economia de energia e é uma máquina de reconhecer padrões. Então, estamos bem mais propensos ao que nos é familiar, pois gera conforto e hábito. Entretanto, existe um contraponto: a novidade. Somos naturalmente atraídos pelo novo, então o ideal é buscar um equilíbrio entre o novo e o familiar.
“Novo o suficiente para chamar atenção e familiar o suficiente para não gerar afastamento.”
Tais conceitos podem parecer óbvios e simples, mas são poderosos na hora de pensar seu trabalho de branding.
O sistema rápido de pensamento evita ao máximo acionar o sistema lento de raciocínio. Assim, ele vai tentar tomar decisões com base em qualquer sinal mínimo de familiaridade e conforto cognitivo, principalmente se essa decisão não representar grandes riscos potenciais. Lembre-se: 95% das decisões que tomamos tem íntima relação com processos inconscientes baseados em repertório e associações de memória.
Então, o trabalho de branding deve estar focado em criar um território proprietário da marca, que sirva como um universo associativo para o público. A exposição de marca que segue um linha consistente, cria na cabeça das pessoas uma percepção de coerência, credibilidade e confiança no médio e longo prazo. Você nunca se deparou com um pensamento do tipo “não sei explicar exatamente, mas essa marca parece mais confiável que as demais”?
Essa confiança é totalmente subjetiva, isto é, não necessariamente é verdadeira, mas foi construída na sua cabeça através de um trabalho de marca que manipulou seu sistema associativo. Sobre isso, Kahneman pontua:
Confiança subjetiva em um julgamento não é uma avaliação raciocinada da probabilidade de que esse julgamento esteja correto. Confiança é um sentimento que reflete a coerência da informação e o conforto cognitivo de processá-la. É sábio levar a sério as admissões de incerteza, mas as declarações de confiança elevada informam acima de tudo que um indivíduo construiu uma história coerente em sua mente, não necessariamente que essa história seja verdadeira.
Saiba o que esperar do branding
O trabalho de branding muitas vezes é colocado de lado, principalmente por empresas menores que precisam de resultados rápidos e não enxergam valor em desenvolver e posicionar a marca. De fato, é um tanto difícil de se medir o papel do branding no faturamento mensal, possivelmente porque não é esse o indicador.
O sucesso do trabalho de branding está ligado ao imaginário do consumidor, à lembrança de marca, à capacidade de associar os elementos de uma identidade à atributos como credibilidade, segurança, excelência e qualidade, para que construam associações coerentes de forma confortável e sintam confiança para fazer negócios. Pesquisas sobre lembrança de marca ou “brand lift” podem ser ferramentas interessantes para indicar o sucesso do trabalho.
Portanto, busque desenvolver um conjunto de elementos coerentes que componham um universo com a identidade da sua marca e transmitam uma mensagem consistente ao público, sem que haja necessariamente a intenção de venda imediata. Faça com que o repertório de memórias em torno da sua marca seja legítimo, positivo e duradouro. Se sua marca conseguir representar um ambiente de conforto cognitivo na mente dos seus consumidores, dificilmente eles irão te trocar.
Para trocar, é preciso pensar com calma. Pensar dá um trabalho que a maior parte das pessoas não quer ter.
REFERÊNCIAS:
“Rápido e devagar: Duas formas de pensar” by Daniel Kahneman, Cássio Arantes de Leite
“Disponibilidade Mental, Sistema 1 x Sistema 2 e MINDEX” by Camila Morada in Forebrain (https://www.forebrain.com.br/noticias/sistema1xsistema2/)